terça-feira, 30 de julho de 2013

Inteligência é aceitar que o outro é livre para voar

"Triste é viver só de solidão." Marcelo Camelo

Eu não tinha sono e nem seus olhos o antigo brilho, mas de alguma forma que não consigo explicar, foi especial. Eu não sentia frio apesar dos relógios metropolitanos marcarem 10 graus, me sentia estranhamente confortável com uma fina malha azul marinho e com você ao meu lado segurando a minha mão. Um poço de mistérios, a moça de tão branca mais parecia um fantasma. Dona de lindos e vibrantes olhos cor de mel, gostava de conversar séria na maioria do tempo, somente vez ou outra abria um sorriso para mim [...]


Me sentia o cara mais privilegiado e sortudo do mundo. Articulava sobre fases da vida e músicas de Courtney Love e podia relatar detalhadamente os episódios de American Horror Story, gostava em especial dos personagens Tate e Violet. Discutia política, antigos amores, família e o futuro. A luz do bar era baixa e a deixava ainda mais bela. Tinha de bônus o charme ao passar as mãos de leve nos cabelos claros, levando a franja para trás das orelhas ou ao passar a língua suavemente pelos lábios ao treinar frases novas da aula de Francês de sábado à tarde, com direito a biquinho. 

Um casal apaixonado cochichava e se tocava na mesa de trás, havia um buque de tulipas amarelas sobre o cardápio e duas taças de vinho tinto pela metade. Na TV, um filme qualquer de Woody Allen sem áudio para não atrapalhar a música ambiente. Vi um casal de velhinhos bem agasalhados e com caras apáticas, estavam inquietos sob o sereno, descendo a rua Augusta em meio ao trânsito. Ele de cachecol xadrez e ela de boina escura. Eu me perguntava se hoje em dia existiria um casal capaz de vencer o amor quando ele começasse a se dissolver. Talvez fossem felizes até hoje. Talvez. Talvez o casal, só não fosse valente e corajoso o suficiente para saltar para fora do barco, que ficou a deriva em alto mar por falta de remos. 

Enfim ela voou, disse que precisava sentir-se inquieta, precisava de pés tremendo, precisava de frio na barriga, mãos suando e dúvidas. Especialmente dúvidas. Dizia pra mim: “Ama-me, mas deixe-me sempre com dúvidas, nunca dê todas as respostas que procuro, vale trapacear no amor, minta um pouco para eu me sentir insegura e mantenha esse medo que eu tenho de te perder, sempre aceso e presente, tiquetaqueando como um relógio suíço no ouvido da minha consciência.” Falhei em algum ponto que não me recordo. 

De repente, entendemos que por mais que tentamos preencher um outro ser, esse outro ser pode não estar disponível para tal preenchimento. É aquela velha história: eu vou dar o meu melhor, e a outra parte está disponível para receber e retribuir o meu melhor? Quem garante que você está sendo o que a outra parte busca? Não existem garantias e o melhor a fazer é aceitar que ninguém pertence a ninguém e se acostumar aos “nãos” e as “porradas” que a vida irá te dar. O gostoso é a outra parte estar com você por prazer e não por obrigação. A vontade mútua do reencontro é impagável. E se a vontade de partir, mesmo que unilateral, aparecer, cabe a nós respeitar. A caixa de alfajores Havanna acaba, o pote de Häagen-Dazs chega ao fim, o carnaval só vai até meio dia de quarta e esse ano que já passa da metade, daqui a pouco acaba também. E por mais que, durante um certo período, você não tenha tirado os olhos de cima mim, ou por mais que eu não consiga esquecer o seu sorriso despretensioso e seguro pelas próximas semanas, eu preciso deixar você partir. Você resolveu cruzar a cidade com ele e não comigo. Hoje eu entendo a vida e suas inúmeras possibilidades. Sem sofrimentos. Por favor.